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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Povo cigano trava luta pelo fim do preconceito cultural


Fonte : Noticia - O Tempo - MG


Ignorância. Especialistas afirmam que intolerância é fruto de falta de informação sobre essa tradição .


Povo cigano trava luta pelo fim do preconceito cultural


Caso de mulher que teve filho arrancado dos braços expõe marginalização



Marina Schettini

Um ato violento de autoridades contra uma mãe cigana e seu bebê chocou o Brasil recentemente. A mineira Dervana Dias, 24, teve a filha arrancada do colo por dois agentes da guarda municipal de Jundiaí, em São Paulo, sob alegação de que ela estaria usando a criança de 1 ano para pedir esmolas. O caso trouxe à tona a marginalização dessas comunidades e sua luta para acabar com o preconceito.

"Os ciganos não respondem ao censo do IBGE. Há desinformação sobre eles. A ignorância gera o preconceito", declarou o secretário da identidade e da diversidade do Ministério da Cultura, Américo Cordola.

O secretário afirma ainda que alguns países valorizam a cultura cigana. É o caso da Espanha com o grupo musical Gipsy Kings. "Eles são famosos, respeitados. Queremos desenvolver isso aqui também", declara. O cigano Ronan de Oliveira, 24, líder de seu acampamento na capital, reclama da fama ruim de seu povo. "Dizem que somos ladrões e roubamos criancinhas, mas não é nada disso. Queremos ser reconhecidos como cidadãos", afirmou. Segundo ele, assim como ocorre com os brasileiros, há entre a comunidade cigana pessoas boas e pessoas más. "Ser cigano não é sinônimo de ser traiçoeiro".

Luta. O coordenador nacional da pastoral dos Nômades do Brasil, padre Wallace Ianon, viaja o país para ajudar os ciganos. "Conversamos sobre a necessidade de mostrarmos ao Brasil essa cultura", conta.


A cigana Geralda de Assunção Nicrites, 60, afirma que o preconceito maior vem dos que desconhecem a comunidade. "Nossos vizinhos. quando viajam, deixam a chave das casas deles com a gente".

Pessoas se aproveitam de fama ruim
Algumas pessoas de má-fé estariam se aproveitando da fama negativa dos ciganos para enganar a população. É o que afirma Ronan Cesário, líder de um acampamento em Belo Horizonte.
"As pessoas se travestem para aplicar golpes. Isso aumenta o preconceito. Com isso, acabamos proibindo a leitura de mãos na minha comunidade", diz.
Os ciganos seriam povos originários do norte da Índia. Como eram nômades, teriam se espalhado pelo resto do mundo ao longo dos anos.Hoje a maior parde deles vive na Europa.




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Minientrevista

"Estava trabalhando. Eu leio a sorte e vendo tecidos"
Dervana Dias, 24 Cigana
Em março deste ano, a senhora teve sua filha arrancada de seus braços por agentes da guarda municipal de uma maneira brusca. Como se sentiu? Foi muito ruim estar naquela situação. Senti um desespero que nem consigo explicar. Foi a maior falta de respeito que já fizeram comigo. Foi puro preconceito contra o povo cigano. Estava trabalhando e não pedindo esmola.

A senhora trabalha com o que? Eu leio a sorte e vendo toalhas e tecidos.

E como está a senhora agora? E sua filha No começo, minha filha ficou muito assustada, muito agitada. Ela nem conseguia dormir direito. Eu também não conseguia, ficava com medo deles me tirarem ela outra vez. Mas agora está todo mundo bem. Ela já está menos assustada, está brincando. Nessa semana, fomos ao parque, ela se divertiu e brincou com as outras crianças que estavam lá. Espero que nossa vida seja só felicidade de agora em diante.

E o que a senhora deseja para os agentes da prefeitura que a agrediram? Espero que eles paguem pelo que aconteceu. Espero que eles sejam retirados das ruas para que não possam fazer a mesmo coisa com mais ninguém.

Realidade

Tradição enfrenta modernidade
Comércio, festas e união arranjada são hábitos que ainda permanecem
É só acabar o tempo de chuvas constantes que o comerciante Pedro Nicrites, 60, se muda para o quintal da própria casa. Ele monta sua tenda, chama as filhas, leva seus objetos pessoais e vai reviver a tradição de seu povo cigano.


“Morar dentro de casa é como se fosse uma prisão. Quando vou para a tenda me liberto novamente”, conta o cigano. Ao lado da família, Pedro, que abandonou as viagens e mora em Contagem, na região metropolitana da capital, reconhece que os tempos modernos e a mistura com os brasileiros têm tornado cada vez mais difícil a manutenção da cultura cigana.

Segundo ele, fazer com que filhos e netos tomem amor e deem continuidade aos costumes é um desafio diário. “Às vezes, fazemos festas, dançamos, cada um traz um prato de comida. Assim, mostramos aos nossos filhos como era antigamente”, diz.

Preservação. A presidente do Centro de Estudos e Preservação da Cultura Cigana, Yáskara Guelpa, conta que o casamento arranjado, as festas animadas e a carreira focada no comércio são algumas das poucas tradições ainda mantidas no cotidiano da comunidade. E, mesmo assim, há aqueles que já as abandonaram.

“Os ciganos foram fixando residência e se adaptando. Um exemplo é que estimamos que haja no Brasil 600 mil ciganos. Desses, apenas 100 mil ainda são nômades”.

A dona de casa Geralda Nicrites, 60, afirma que a maior parte já abandonou, inclusive, as roupas coloridas. “Já não usamos o lenço na cabeça, os vestidos coloridos. Nos vestimos como os brasileiros”.

O camelô Claudinei Goiano, 24, é um dos ciganos que vive entre a tradição e a modernidade. Depois de morar em diversas cidades mineiras e também no Rio de Janeiro, ele abandonou as viagens e fixou residência em Belo Horizonte – onde vive em uma tenda. Outra tradição que ele “flexibilizou” é a do casamento entre ciganos.

“Moro aqui há cinco anos. Gostei de uma brasileira e não adiantou a família protestar. Mas ela vive nas minhas tradições”, afirma. A mulher, Janaina Cesário, 28, afirma que, hoje, não se imagina de outra maneira. “Sem os meus vestidos, eu fico sem lugar. Adoro comprar o pano, a renda e a fita, e levar para a tia do Claudinei costurar”, conta.

O vendedor de carros, Ronan de Oliveira, 24, afirma que sua prioridade é ter uma vida melhor. “Moro no mesmo lugar há três anos e não pretendo viajar. Quero criar minha família e dar oportunidade para ela”.

Religião
Divisão. Os ciganos são livres para escolher a religião que irão seguir. As mais populares entre a comunidade são a católica (comum nos últimos anos) e a evangélica – que impõe o fim da prática da leitura de mãos.



Adaptação
Busca pela educação levou à residência fixa
Quando se fala em povo cigano, logo a palavra nômade vem à mente. Conhecidos principalmente por suas constantes andanças, a maioria dos ciganos modernos deixou a bagagem de lado e prefere hoje fixar moradia. É a necessidade de educar os filhos a principal responsável pela adaptação.

“A escola é boa, mas ela é responsável pela perda da nossa tradição. Antes, os meninos não tinham estudo, mas eles eram espertos para o comércio. Largamos as viagens porque é importante educar os filhos”, conta o cigano Ivan de Assunção, 66.

Mas nem todos os ciganos frequentam a escola. Há ainda uma pequena parcela da população cigana que, seja pela tradição ou por viverem marginalizados, ainda estão fora das escolas. 
Famílias mais conservadoras ainda hoje proíbem os filhos de frequentar a escola para evitar a mistura de culturas. Além disso, elas acreditam que depois da alfabetização, a prioridade da criança deve ser o comércio e não os estudos.

Há ainda os casos daqueles ciganos mais humildes que não têm registro civil e, portanto, não podem frequentar a escola. (MS)

Casamento à moda antiga
O casamento arranjado é uma das poucas tradições ciganas ainda presentes em praticamente todos os clãs. Algumas comunidades já estão mais flexíveis e permitem o casamento com brasileiros, mas ainda persistem em deixar aos pais a incumbência de unir os noivos.
“Sou o pai de um rapaz. Gosto de uma moça para meu filho. Vou atrás do pai dela. Aí ninguém mais pode demonstrar interesse, só se não der certo o arranjo e eu liberar a moça para outros pretendentes. Mas se der certo, eles casam logo. Namorar enjoa”, conta o cigano Ivan Nicrites, 66.